Agente Etiológico
Giardia lamblia.
Epidemiologia
Encontrada no mundo todo, sobretudo entre crianças de 8 meses a 10-12 anos. Altas prevalências são encontradas em regiões tropicais e subtropicais, principalmente em locais que não possuem abastecimento hídrico adequado. É mais frequentemente encontrada em populações de baixo nível socioeconômico. No Brasil a prevalência varia de 4%-30%. Tem sido reconhecida como “diarreia dos viajantes” que se deslocam para zonas endêmicas. Frequentemente encontrado em ambientes coletivos: creches, enfermaria, internatos... A prevalência entre pacientes com AIDS é 16% (1998). Ou seja: os grupos de maior risco para desenvolvimento da giardíase são crianças, imunocomprometidos e viajantes.
Formas de Contaminação
A transmissão ocorre por via fecal-oral, através da ingestão de cistos maduros presentes em: água sem tratamento ou deficientemente tratada (só com cloro); alimentos contaminados; de pessoa a pessoa, através de mãos contaminadas (núcleos familiares, creches); através de sexo oral-anal; pelo contato com animais domésticos infectados com Giardia (a transmissão zoonótica tem fator importante da disseminação da doença).
Habitat
O trofozoíto de G. lamblia é encontrado intestino delgado, principalmente no duodeno, sendo o responsável pelas manifestações clínicas da infecção.
Quadro clínico: sintomas, patogenia e imunidade
A giardíase apresenta um quadro clínico muito variado. A maioria dos indivíduos é assintomática, outros, no entanto, apresentam desde um quadro de diarreia aguda e autolimitada até um quatro de diarreia persistente, associada à má absorção alimentar e perda ponderal.
Estatisticamente, em metade dos indivíduos acometidos, a parasitose é resolvida de forma espontânea. Em 5 -15%, a infecção é assintomática e o hospedeiro passa a eliminar por até 6 meses cistos contaminantes nas fezes, enquanto um grupo menor pode apresentar sintomas de infecção aguda ou crônica.
Geralmente, na primo-infecção, a ingestão de inúmeros cistos pode levar a uma diarreia aquosa, explosiva, de odor fétido, acompanhado de gases e dores abdominais (essa forma perdura por poucos dias e seus sintomas iniciais podem ser confundidos com gastroenterites bacterianas ou virais). Também é comum ocorrer náuseas, vômitos e perda de peso. Menos frequentemente, ocorre febre, constipação e urticárias.
Em infecções crônicas pode haver persistência dos sintomas durante anos, com episódios de diarreia contínuos, intermitentes ou esporádicos. Em muitos casos, a diarreia crônica é acompanhada de esteatorreia, causada por uma síndrome de má absorção, e perda de peso. Também pode ocorre fadiga, flatulência excessiva e cólicas abdominais constantes.
A patogenia precisa da má absorção ainda suscita questionamentos, mas acredita-se que esteja associada a uma inflamação persistente que desencadeia alterações na arquitetura da mucosa intestinal, com acometimento das microvilosidades, causando achatamentos e, em casos mais avançados, até atrofia dos microvilos, o que diminui a superfície de absorção de nutrientes. Também há redução de enzimas intestinais, contribuindo para a diminuição da absorção.
Em crianças de até 12 anos, a sintomatologia mais sugestiva de giardíase consiste em:
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Diarreia com esteatorreia;
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Irritabilidade;
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Insônia;
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Náuseas e vômitos;
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Perda de apetite (com ou sem emagrecimento);
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Dor abdominal.
A resposta do hospedeiro à infecção por G. lamblia ainda gera discussões. Todavia, indícios como a natureza autolimitante da infecção, detecção de anticorpos específicos anti-Giardia nos soros de pacientes, participação de monócitos citotóxicos na modulação da resposta imune, maior suscetibilidade de imunocomprometidos à infecção e menor sucessibilidade dos indivíduos de áreas endêmicas à infecção, somados à ocorrência de giardíase crônica em modelos animais tratados com drogas imunossupressoras, são sugestivos de uma imunidade protetora na giardíase.
Complicações
Um grande número de trofozoítos causa um atapetamento da mucosa duodenal, ou seja, os trofozoítos aderidos à mucosa intestinal formam uma barreira mecânica e impedem a absorção adequada de nutrientes. Assim, as principais complicações da giardíase se associam à má absorção de gordura e de nutrientes como vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K), ferro, xilose, lactose e vitamina B12. A sintomatologia de tal carência nutricional é mais grave em crianças, podendo resultar em sério comprometimento físico-cognitivo.
Diagnóstico Laboratorial
O exame parasitológico de fezes (EPF) é o principal meio laboratorial de diagnóstico para giardíase e consiste na visualização das formas parasitárias (cistos ou trofozoítos). Alguns fatores, no entanto, como a consistência das fezes e padrão de liberação dos cistos podem interferir diretamente no resultado e induzir inúmeros falsos negativos.
Cistos são encontrados na maioria dos indivíduos com giardíase, já observações de trofozoítos são mais raras e comumente associadas a pacientes com infecções sintomáticas. Assim, cistos são tipicamente encontrados em fezes de consistência firme, enquanto trofozoítos são típicos de fezes diarreicas. É imprescindível atentar para o curto tempo de vida dos trofozoítos nas fezes (15-20 minutos). Nesses casos, recomenda-se colher o material do exame em laboratório e examiná-lo imediatamente, ou conservar as fezes em fixadores como formol a 10%, MIF (mertiolato-iodo-formol) ou SAF (Acetato de sódio -ácido acético-formaldeído).
Outra obervação muito relevante é que os indivíduos infectados por Giardia não eliminam cistos continuamente, podendo haver períodos negativos que duram em média 10 dias. Desta forma, o diagnóstico típico recomendado para exame de fezes com suspeita de giardíase é a coleta de 3 amostras em dias diferentes com intervalo de 7 dias entre cada amostra. Isso diminui, mas não elimina, a ocorrência de falsos-negativos.
Em locais com os recursos adequados, recomenda-se utilizar o exame de detecção de antígeno / DNA (ELISA).
Tratamento
A identificação precoce da doença e seu correto tratamento são essenciais para a profilaxia e controle da doença. Preconiza-se tratamento com Metronidazol, tinidazol, ornidazol e secnidazol.
Em casos de indivíduos assintomáticos, é recomendado o tratamento, a fim de evitar a transmissão:
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De pessoas em contato constante com imunocomprometidos;
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De pessoas que trabalham em ambientes de alto risco de transmissão, como creches e hospitais;
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Pessoas que convivem com gestantes;
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Pessoas que trabalham com comida, como cozinheiros e verdureiros.
Posição Sistemática
Reino: Protista
Subreino: Protozoa
Filo: Sarcomastigophora
Subfilo: Mastigophora
Classe: Zoomastigophora
Ordem: Diplomonadida
Família: Hexamitidae
Género: Giardia
Espécie: G. lamblia
Morfologia
Apresenta duas formas características: o trofozoíto e o cisto, que difirerem em estrutura e bioquímica.
Trofozoítos
Têm formato piriforme (de pêra) com simetria bilateral, são binucleados e medem aproximadamente 20μm de comprimento por 10μm de largura. Apresentam 4 pares de flagelos, e um disco suctorial em sua face ventral (côncava) que atua de forma semelhante a uma ventosa, fixando o protozoário à mucosa intestinal.
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Cistos
São os responsáveis de transmissão da doença. Seu formato é oval ou elipsoide, medindo cerca de 12μm de comprimento por 8μm de largura. Apresentam uma parede glicoproteica de até 0,5μm de espessura, denominada parede cística, responsável pela resistência dos cistos ao ambiente adverso, por até 2 meses. No seu interior encontram-se 2 ou 4 núcleos, fibrilas longitudinais e corpos escuros em forma de meia- lua.
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Prevenção e Controle:
De acordo com sessões anteriores, a disseminação de cistos de G. lamblia no ambiente é o meio pelo qual ocorre a transmissão da doença. Assim, as principais medidas profiláticas são as que controlam tal exposição dos cistos, e são listadas a seguir.
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Higiene pessoal, como correta lavagem de mãos.
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Proteção dos alimentos e tratamento da água.
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Filtros de areia e de terra são capazes de remover os cistos.
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Cistos podem resistir a cloração e somente são destruídos por fervura de 5 minutos.
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Verificar parasitismo em animais domésticos e tratá-los.
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Diagnosticar a fonte de infecção e tratá-la.